Dá-lhe Reinaldo Azevedo: “Luiz Inácio Lula da Silva, quem diria?, recorreu a Lincoln para justificar as safadezas e a sem-vergonhice do mensalão. O que há de mais interessante nisso? Trata-se, pela primeira vez, de uma confissão, ainda que feita de alusões e silêncios. Vamos lá”.
“O Apedeuta compareceu nesta quarta a um evento em comemoração aos 30 anos da CUT. E, como é de seu feitio, jogou palavras no ventilador. O homem que já se comparou a Jesus Cristo — a parte da cruz, é evidente, ele dispensa porque até greve de fome ele furava chupando escondido balas Juquinha — anda com inveja da notoriedade que Lincoln voltou a adquirir nos últimos tempos… Que coisa!”
Lula afirmou: – “Nós sabemos o time que temos, sabemos o time dos adversários e sabemos o que eles estão querendo fazer conosco. Acho que a bronca que eles tinham de mim é o meu sucesso e agora é o sucesso da Dilma. Eles não admitem que uma mulher que veio de onde ela veio dê certo porque a onda pega. Daqui a pouco, qualquer um de vocês vai querer ser presidente da República”.
– “Esses dias eu estava lendo, eu ando lendo muito agora, viu, Gilberto [referia-se a Gilberto Carvalho], o livro do Lincoln e fiquei impressionado como a imprensa batia no Lincoln em 1860. Igualzinho bate em mim. E o coitado não tinha computador. Ele ia para o telégrafo, esperando tic tic tic. Nós aqui podemos xingar o outro em tempo real. (…)”
Continua Reinaldo: “Lula já declarou que detesta ler. Não conseguiu enfrentar sem dormir, segundo confessou, um romance curtinho de Chico Buarque. Faz sentido. Terá encarado a pedreira de “Lincoln”? Talvez tenha assistido ao filme de Steven Spielberg, de uma chatice que chega a ser comovente!!!, e olhem lá…”
“O vocabulário a que recorreu me faz supor que andou mesmo é lendo briefing de assessoria. Há anos, muitos anos mesmo!, divirto-me identificando dedicação metódica nas bobagens que diz. Vejam lá: ele diz saber o que os adversários querem fazer com “eles”, os petistas… Muito provavelmente, querem ganhar o “jogo”, também entendido, em sua monomania metafórica, por “eleição”. O nosso “Lincoln” de Garanhuns transforma a pretensão legítima dos adversários numa espécie de conspiração e ato criminoso. Não por acaso, no dia anterior, recomendou a FHC que, “no mínimo”, ficasse quieto e colaborasse para que Dilma fizesse um bom governo. O nosso grande patriarca criminaliza a ação política de seus oponentes. Ela se confunde com sabotagem”.
“No discurso, também sobraram críticas à imprensa, como de hábito. Embora os petistas deem hoje as cartas em boa parte das redações do país — quando não estão no comando, compõem o caldo de cultura que transforma bandidos em heróis e, se preciso, heróis em bandidos —, o nosso o Lincoln de São Bernardo ainda não está contente com a sujeição. Quer mais. Enquanto restar um texto independente no país, ele continuará a vociferar contra a “mídia”. Adicionalmente, os petistas contam ainda com a súcia financiada por estatais que faz seu trabalho criminoso passar por jornalismo”.
“A alusão a Lincoln, de fato, remete a outra coisa, bem mais dolosa do ponto de vista intelectual, ético, moral, político e histórico. A relação de Lula e dos petistas com o mensalão passou por diversas fases”.
“Houve a primeira, a da admissão do erro, com pedido de desculpas. Durou pouco. Veio em seguida a acusação de “golpe das elites”, forjada por um oximoro reluzente: “intelectuais petistas”. Depois, chegou a da negação: “O mensalão nunca existiu”. E agora estamos diante da quarta, e é neste ponto que Lula decidiu pegar carona na vida de Lincoln: os crimes dos mensaleiros teriam sido atos heroicos”.
“O republicano Lincoln, e o filme dá grande destaque a essa passagem, retardou o fim da guerra civil para poder aprovar a 13ª emenda, que proibiu a escravidão no país, e, sim, literalmente comprou o apoio de alguns democratas, especialmente de congressistas que não tinham sido reeleitos. A moeda principal foram cargos no governo federal, mas também houve dinheiro. Eis aí: é precisamente nesse ponto que Lula pretende, no que me parece uma forma de confissão, colar a sua biografia à do presidente americano”.
“A política não é, e nunca foi, um exercício de santos. Com frequência, governantes os mais virtuosos tiveram de recorrer a expedientes que nem sempre foram de seu agrado para realizar tarefas necessárias que, de outra sorte, não se realizariam”.
“No mundo da ética e da moral aplicadas, muitas vezes somos obrigados — e o governante mais do que do que qualquer um de nós — a escolher o mal menor porque o nosso princípio abstrato já não encontra lugar na realidade corrompida”.
“Apelando a uma dicotomia conhecida, de Max Weber, nem sempre a ética da responsabilidade, que é a do homem público, atende a todas as exigências da ética da convicção, que é a do indivíduo. Lula deveria, no mínimo, ficar de boca fechada”.
Extratos da matéria de Reinaldo Azevedo “Lula é mesmo o nosso Lincoln? Ou: A safadeza e a sem-vergonhice como atos heroicos” publicada no seu blog na Veja em 28/02/13.
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