“A presidente Dilma Rousseff tenta pegar carona na visita do papa ao mostrar o governo petista como protagonista de uma cruzada global” contra a miséria e “o Rio não passou no teste”, com os memes criados pelo panfletário virtual durante a cruzada de Francisco.
Matéria de Daniel Pereira – Revista Veja: “O ex-presidente Lula já quis dar lições aos Estados Unidos sobre o funcionamento do capitalismo. A presidente Dilma Rousseff, em visita à Alemanha, também usou um tom professoral para tutorar a primeira-ministra Angela Merkel sobre como tirar a Europa da crise econômica.
Em bom português, esses acessos de empáfia vazia que beiram a insanidade são chamados de tentativas de “ensinar o pai-nosso ao vigário”. Por pouco, mas só por pouco mesmo, o papa Francisco se livrou de voltar para o Vaticano com uma lista de lições de casa passadas por sua anfitriã no Brasil.
Dilma não ensinou o papa a rezar, mas não escapou do ridículo ao propor a Francisco, como se ele fosse um reles diretor de ONG, uma parceria em que o papel dele seria espalhar pelo mundo as “experiências brasileiras de combate à miséria”.
O santo padre, pelo menos, conseguiu disfarçar seu constrangimento. Logo ele, um jesuíta, ordem lendária por espalhar pelos quatro cantos do mundo os ensinamentos de Cristo, convocado para pregar o petismo eleitoreiro.
Ainda bem para o Brasil que ninguém lembrou que o petista José Graziano, diretor-geral da FAO, órgão das Nações Unidas para assuntos de alimentação, já espalha essas “experiências brasileiras” mundo afora — a última foi aconselhar os miseráveis famintos a comer gafanhoto, formiga e outros insetos.
É uma vergonha para o Brasil. E para a FAO, que, nos anos 60, quando privada das geniais ideias petistas, teve de se contentar em, com a ajuda do agrônomo americano Norman Borlaug, fazer a “revolução verde”, que salvou a vida de 1 bilhão de famintos. Mas o que é isso em comparação com um bom prato de alta gastronomia insetívora preparado pelo chef Graziano, não é mesmo?
Acossada por protestos populares, pelo desempenho econômico pífio e pela queda vertiginosa de popularidade, Dilma fez de seu discurso de onze minutos uma tentativa de reação política. Aproveitou-se da presença de um convidado carismático para tentar sair das cordas e conter a sangria de seu próprio governo.
O Palácio do Planalto temia que houvesse um recrudescimento dos protestos com a chegada do papa Francisco ao país. A presidente disse que as manifestações nas ruas eram consequência dos avanços econômicos e sociais registrados nos dez anos de governo do PT — e não fruto do descontentamento generalizado com os governantes de turno e a precariedade dos serviços públicos.
“Sabemos que podemos encarar novos desafios e tomar nossa realidade cada vez melhor. Esse foi o sentimento que moveu, por exemplo, nas últimas semanas, centenas de milhares de jovens a ir às ruas. Democracia, como sabe Vossa Santidade, gera desejo de mais democracia, inclusão social provoca cobrança por mais inclusão social, qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de vida”, disse Dilma, apresentando-se como motor — e não alvo — dos protestos.
A presidente também retomou a cantilena petista em defesa de uma cruzada planetária para erradicar a pobreza, reproduzindo em escala global programas de transferência de renda como o Bolsa Família. “O Brasil muito se orgulha de ter alcançado extraordinários resultados nos últimos dez anos na redução da pobreza, na superação da miséria e na garantia da segurança alimentar à nossa população. Fizemos muito e sabemos que ainda há muito que ser feito. Nesse processo, temos contado com a profícua parceria com a Igreja.
” Dilma aproveitou o embalo e caiu na vala estreita da falsa dicotomia entre austeridade fiscal e bem-estar da população, que, na cabeça dos ideólogos petistas, são excludentes — quando todos os dados e experiências históricas mostram que a vida do povo só melhora quando os governos deixam de desperdiçar o dinheiro dos contribuintes.
Disse Dilma: “Estratégias de superação da crise econômica centradas só na austeridade, sem a devida atenção aos enormes custos sociais que ela acarreta, golpeiam os mais pobres e jovens, que são pelo mundo afora as principais vítimas do desemprego”. O papa acompanhou o discurso da anfitriã concordando discretamente, às vezes, com a cabeça. Ao discursar logo em seguida, e gastar dois minutos a menos do que Dilma, ele não abordou nenhum dos temas centrais da fala da presidente. Ou seja: recusou o convite ao debate político e se manteve no papel de evangelizador. Piedoso, Francisco deve ter consciência de que os políticos, muitas vezes, não sabem o que dizem e quase sempre dizem o que não sabem.”
O Rio não passou no teste – matéria de Malu Gaspar e Leslie Leitão – Revista Veja: “Com erros na segurança, milhares de pessoas sem transporte e muito improviso, o Rio é reprovado em organização de megaeventos. Será preciso melhorar bastante para não fazer feio na Copa e na Olimpíada.A mesma cena que emocionou o papa Francisco diante dos fiéis que o aguardavam ansiosamente na chegada ao Brasil se transformou, ao longo de sua passagem pelo Rio, no retrato mais expressivo do despreparo da cidade para receber os megaeventos que estão por vir.
Apesar de os policiais terem ensaiado nas vésperas o trajeto do Aeroporto do Galeão à Catedral Metropolitana, na hora H deu tudo errado. Os batedores, alguns trazidos de fora do Rio pela Polícia Rodoviária Federal, tiveram um momento de hesitação diante da avenida com duas pistas e frearam as motos.
Sem saber que rumo seguir, o motorista italiano do papa tomou uma pista lateral cheia de ônibus estacionados. O carro ficou parado na rua, sem nenhum anteparo contra a aglomeração humana, para o pontífice, foi um momento de júbilo. Para seus guarda-costas, razão para desespero. Aquela foi apenas a primeira de uma série de falhas de segurança, de planejamento e de logística que atrapalharam a vida de 1,5 milhão de pessoas que foram à Jornada Mundial da Juventude. Faltou transporte em várias ocasiões.
A missa de encerramento teve de ser transferida na última hora. Policiais infiltrados nos protestos contra o governador Sérgio Cabral engrossaram os grupos de vândalos que faziam baderna a poucas quadras de um evento com o papa. A missão de garantir a segurança do pontífice foi dividida entre cinco órgãos que passaram boa parte do tempo se estranhando: a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, as polícias militar, civil e federal e o Exército.
O fato de não haver um comando único atrapalhou. Há dois meses, por exemplo, uma reunião para estabelecer quem comandaria os postos especiais de patrulhamento a ser instalados na Praia de Copacabana acabou entre gritos e socos na mesa, sem que nada fosse decidido, porque nenhuma força aceitava receber ordens das outras (os tais postos não saíram do papel). Ao explicar a confusão na chegada do papa, o secretário municipal de Transportes do Rio, Carlos Roberto Osório, expôs o erro da comitiva, quase toda vinculada ao governo federal — o que fez o prefeito Eduardo Paes tomar uma descompostura do secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Paes então vetou novas declarações sobre o episódio, mas os batedores foram trocados por policiais militares do Rio. Mesmo lances em tese positivos se transformaram em fonte de intriga. Diante da descoberta, pela Força Aérea, de uma bomba num banheiro do Santuário de Aparecida, a PF levantou a suspeita de que os militares tivessem plantado o explosivo para faturar politicamente.
Os órgãos de segurança tiveram ainda de lidar com a insistência do papa em se misturar com o povo. “Para todas as nossas restrições, a resposta do Vaticano era sempre a mesma: o papa é um chefe de estado e é dele a última palavra”, diz um membro da organização.O improviso e a falta de coordenação também fizeram vítimas no sistema de transporte da cidade. O metrô sofreu duas panes nos primeiros dias da Jornada. Na pior delas, o rompimento do cabo de energia de uma estação interrompeu a circulação de todos os trens por mais de duas horas, deixando centenas de turistas presos em vagões escuros e lotados. Sem metrô, os fiéis sobrecarregaram ônibus e trens.
Quem não conseguiu embarcar teve, literalmente, de peregrinar. Nessa madrugada, dezenas de jovens que estavam hospedados em favelas distantes do centro (o que, por si, já foi uma medida temerária) perambularam por algumas horas sem transporte pela Avenida Brasil, via expressa incrustada em uma região violenta, até que dois PMs arregimentassem vans para levá-los para casa.
Do outro lado da cidade, os 120.000 visitantes que se alojaram nos arredores de Guaratiba, onde seriam realizadas a vigília e a missa final da JMJ, viram-se, de repente, a 50 quilômetros das celebrações. O local, área particular cedida à Arquidiocese do Rio, vinha sendo preparado fazia meses. Além da drenagem e da terraplenagem, pagas pela Igreja, o lugar recebeu melhorias que custaram à prefeitura 6 milhões de reais. Mesmo assim, não resistiu às chuvas e foi convertido em lamaçal. Só aí se descobriu que a organização não tinha um plano B para o caso de chover. A solução foi transferir os eventos para Copacabana.
A essas agruras somaram-se as manifestações contra o governador Sérgio Cabral, que povoam a vida dos cariocas há quase dois meses e ajudaram a derrubar sua aprovação popular para 12%, o nível mais baixo até hoje. Nas últimas semanas, a polícia passou a infiltrar homens nos protestos, alguns em meio aos vândalos, usando máscaras e adotando uma atitude agressiva. Só nos arredores do Palácio Guanabara, onde o líder da Igreja Católica recebia as boas-vindas da presidente Dilma Rousseff, havia trinta policiais civis e algumas dezenas de PMs infiltrados.
A missão era identificar baderneiros, mas, pouco discretos — todos traziam a mesma pulseira preta no pulso direito, por exemplo —, vários acabaram identificados nas redes sociais. Por toda a semana pairou a suspeita de que os policiais disfarçados estivessem atirando pedras e coquetéis molotov para incitar a violência e indispor a opinião pública com os manifestantes. Até a prisão de um funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) num tumulto no Leblon foi apontada como indício dessa tática. Nada, no entanto, ficou provado. De concreto, até agora, só o que se viu foi um inaceitável grau de improvisação onde deveria haver uma recepção impecável ao papa e aos visitantes. Ainda bem que Deus é brasileiro.”
Revista Veja 29/07/2013
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